quinta-feira, 3 de novembro de 2016



Sobre ser negro no Brasil (título pretencioso né)


Com certeza o Brasil não é pra principiantes. Não lembro de quem é essa frase, mas acho que ela traduz muito do que é essa terra aqui. Nem de longe venho escrever um texto pretendendo ensinar algo ou dizer como é ou né. Não tenho tendência a querer explicar muito. Digo o que sinto e o que sei.
Ser negro aqui é estar numa terra que é reconhecida pela cultura negra, mas não cuida e respeita as pessoas negras, estar nessa dualidade é dolorido quando vemos notícias absurdas de como tratam os negros aqui. E a pior coisa é que quem não é muitas vezes cai na otaricie de pensar que não é bem assim, que é coisa da nossa cabeça. Da uma vontade de falar um monte de merda nessas horas, mas vamos lá né. Sorrindo comendo feijoada, ouvindo samba e jogando capoeira nossa sociedade adora a cultura negra mãaas, quando se trata do povo negro em questão lá vem monte de mimimi. Essas desculpas vão desde o papo de que "minha vó era negra", "trato minha empregada como se fosse da família", "meu amigo é negro" e a classica ''me relaciono com uma pessoa negra, claro que não sou racista". Meus lindos do coração, nada impede que operemos na lógica racista e ainda assim acreditemos que não somos racistas. Parece paradoxal mas não é. Pense. É tipo a pessoa que é contra a corrupção, mas da cinquentão pro guarda! A mesmíssima lógica.


Ao mesmo tempo nós negros damos conta de um duplo pensar e duplo agir que é bem desgastante.
Somos nós mesmos o tempo todo e ainda somos esse que a sociedade exige/permite que sejamos e que causa tanta angústia. Sabemos que estamos sendo observados pelo segurança, que o taxista talvez não pare pra nós, que a moça atravessa a rua mais rápido ao te ver, que a policia vai te encarar como bandido mesmo comprovando que você não é. Esse alerta constante que nós negros temos desde sempre pois carregamos na pele esses sentires, fazem com que sejamos muitas vezes cúmplices desses "pequenos" racismos que a sociedade comete. Muitas vezes somos duais porque não há muita alternativa. Se cada negro consciente do que acontece a sua volta dissesse na real aquilo que pensa, seria banido do lado não negro da sociedade, pois nosso cinismo, quando digo nosso incluo a todos nós, é tão entranhado em nossa vivência e forma de agir que naturalizamos essas violências. Pior do que naturalizar a violência é legitimar a violência.

Essa semana morreu um jovem aqui no Rio de Janeiro, numa comunidade/favela no Leme onde tem a tal da UPP (unidade de policia pacificadora). Sim um jovem de favela, não por acaso negro. Obviamente tiros não reconhecem cor de pele, mas o fato de dispararem contra a comunidade sem se importar com quem vai ser atingido é um indício que lá em sua maioria mora gente pobre e preta, porque somente contra gente pobre e preta o Estado age dessa forma. Nunca ouvi falar de polícia atirando a esmo em lugares onde mora gente rica e de maioria branca, nem preciso explicar essa equação. Né? Conforme a pirâmide social vai afunilando pra cima mais branca ela fica. Pode pesquisar. Em compensação nas comunidades não há quem não conheça essas histórias de violência e morte. Quais as chances de atingirem alguém que a sociedade vai realmente se importar ao ponto de parar tudo, ou isso ser uma notícia catastrófica e não mais um número nessa estatística de uma sociedade doente? A cara das comunidades vem mudando, em breve vão acabar atingindo uma criança branca loura e estrangeira, aí vão olhar com olhos de quem quer ver o que acontece nas comunidades. Espero que não precise chegar nesse ponto. Enquanto isso oremos.

Enfim sigamos!

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